DELICADEZA
— Droga! — Resmunguei assim que eu senti a pontada de dor, afiada e subitamente, e quando vi o filete de sangue descendo, rubro, pela minha perna.
De uma maneira quase hipinótica eu segui, com os olhos, a trilha vermelha que ia se formando a medida que a gota carmim escorria pela minha pele. Com um dedo eu a capturei, senti o liquido denso e morno, no meu dedo pálido, magro e frio. O branco de minha pele era um contraste gritante com a gota vermelha. Um ponto de cor em um mar de mesmice, tinha dias que até eu mesmo tinha raiva por minha pele ser tão pálida. Com um suspiro, desenrolei um pouco de papel higiênico, com a outra mão, e limpei o sangue de minha perna e a pequena gota do meu dedo. Coloquei a lâmina, que estava em minha mão, sobre a tampa da privada. Tentava fazer o mínimo de barulho possível, não queria que ninguém soubesse que eu, ainda, estava naquele banheiro. Passei novamente o papel macio enrolado em minha mão no corte recém-adquirido. Uma pequena ardência se manifestou, por menor que tenha sido, me fez estremecer. Suspirei, um pouco trêmulo, quando escutei o barulho de água escorrendo, em uma corrente constante e forte. Alguém tinha ligado um dos chuveiros. Enrolei o papel higiênico em uma pequena bola de papel, branco e vermelho, como o meu dedo estava a segundos atrás. E o seu destino foi o fundo a lixeira, no canto esquerdo do box, vermelha e rajada de azul. Abaixei-me para pegar minha mochila e meus cabelos negros, molhados e grudentos taparam a minha visão. Com um movimento rápido eu os tirei de lá, os jogando para o lado, minúsculas gotículas de água voaram pelo pequeno espaço do box. Abri a minha mochila, com cuidado extra no zíper, não queria fazer barulho nenhum. Do lado de fora a água ainda caia, será que tinha mesmo alguém ali? Não saberia responder. Já com a mochila aberta eu peguei o meu xampu, que ajudava o meu cabelo não ficar tão seco e sem vida, e o sabonete, que deixava minha pele macia e retirava o excesso de cloro de minha pele. Calcula os meus movimentos, pensava antes de me mover ali dentro, fiquei mais alerta quando percebi que agora a água não fazia contato direto com o chão. Alguma coisa, ou alguém, estava no meio do fluxo de água, parando-a com seu corpo.
Suspirei pesadamente, não poderia mais ficar trancado ali, já estava ficando tarde e Mateus, com toda a certeza, já devia está perguntando onde eu estaria até agora. Puxei mais um pouco de papel higiênico e enrolei a navalha nele, com movimentos lentos eu a coloquei bem no fundo de minha mochila. A touca de silicone e os óculos de proteção eu coloquei no bolso da frente, já que eles estavam molhados e esse bolso era o único impermeável de toda a mochila. Nesse tira e coloca de coisas em minha mochila eu reparei como minhas mãos estavam enrugadas, ficar quase sete horas dentro d'água ocasiona isso. Coloquei minha toalha branca com uma mancha de tinta no lado direito, que se parecia com um coelho, no meu ombro direito. Respirei fundo, destranquei a porta do box e sai, quando abaixei a minha cabeça, o meu denso e molhado cabelo negro caiu por sobre o meu rosto, dessa vez eu o deixei lá. Com o canto dos olhos eu vi que a pessoa se banhando, estava no canto direito, então eu fui para o esquerdo. Minhas passadas eram abafadas pelo piso molhado, abafado e molhado. Coloquei minha mochila sobre o banco de madeira longo e cheio de rabiscos que ficava próximo a área dos chuveiros. Que era um quadrado de pisos brancos paralelamente interligados, e no final uma pequena barreira de contenção impedia que a água derramada se espalhasse por todo o banheiro. Coloquei os meus utensílios de banho em uma pequena prateleira de plástico, com algumas linhas que mostravam que alguém tinha posto muito peso para aquela minúscula prateleira.
Girei o registro e fiquei sob o fluxo de água gelada, meu corpo sofreu um espasmo, mas foi de segundos de duração, já estava tão acostumado com aquela água congelante que nem me importava mais. Meus cabelos, embebidos de água, caíram, mas uma vez, sobre o meu rosto. Derramei uma pequena quantidade de xampu em minha mão, e depois coloquei no meu cabelo. Desliguei a força da água, não iria desperdiçá-la já que eu ia ensaboar meu corpo e meu cabelo primeiro. Fiz movimentos circulares com os meus dedos no meu coro cabeludo, proporcionando uma limpeza melhor e uma pequena massagem naquela região. A pessoa que estava do meu lado também desligou o seu chuveiro, mas não olhei para trás para ver se ele estava indo embora ou se parou o fluxo de água para se ensaboar, assim como eu. Depois desci minhas mãos para o meu corpo, peguei o sabonete e o friccionei contra minhas mãos até ver a espumar branca e perfumada se formar. E, em movimentos lentos, passei-as pelo meu corpo. Primeiro os braços, depois pescoço, ombros e peito, por último as pernas e os pés. Liguei o chuveiro mais uma vez, mas antes de ficar debaixo do fluxo de água, eu movi a pequena alavanca que regula a temperatura, a água que antes era congelante, agora estava deliciosamente quente. O cheiro floral do meu sabonete formou uma perfeita bruma perfumada ao meu redor, fazendo com que eu me sentisse em um campo florido. Fechei os olhos enquanto a água lavava o xampu dos meus cabelos, uma sensação gelada e um pouco ardorosa se espalhou pela minha cabeça, mas era normal já que o meu xampu era de menta. Fiquei ali por alguns minutos, um pequeno sorriso se espalhou pelo meu rosto quando uma frase do meu irmão ecoou pela minha cabeça: “As vezes eu acho que os seus pais eram algum tipo de ser marítimo, sério! Nunca vi alguém gostar mais de água do que você”
— Está rindo de que, Neve? — Uma voz, que uma vez foi a que me fazia tremer de expectativa e felicidade, mas que agora nada significava, propagou-se pelo banheiro. O meu apelido pronunciado pela sua voz, com o seu timbre inconfundível, me fez congelar no lugar onde estava, uma perfeita estátua. Não tinha percebido que a minha risada tinha saído mais alta do que eu imaginava.
— Nada não – Respondi, simplesmente.
Antes de sair do banheiro privado e ir para a área dos chuveiros, eu já tinha uma leve desconfiança a respeito de quem seria a pessoa que estava tomando banho, mas resolvi não acreditar no meu instinto. Não dava para não senti-lo, quando ele entrou no banheiro, quando passou em frente a porta do banheiro que eu estava, eu o senti. Foi por isso que me cortei. Não era algo sobrenatural ou algo do gênero, não, era uma coisa mais profunda e sensível. Uma amizade quebrada, uma confiança estilhaçada e esperanças destruídas, tudo isso causado em uma única pessoa, que no caso fui eu, e feito por outra, no caso, o cara que estava tentando ter uma conversa comigo. Desliguei o registro, o fluxo de água parou, fiquei um tempo parado para que a água acumulada em meus cabelos achassem seu caminho até o chão. Não olhei para o lado, olhava para baixo, para o ralo que ficava perto do meu pé esquerdo, via como a água virava um pequeno redemoinho antes de cair dentro do buraco. Meus cabelos cor de piche molhados formavam uma cortina negra, me impedindo de olhar para ele, e que ele olhe para o meu rosto. Minutos depois, levantei a cabeça, sai da área dos chuveiro, pegando meu aparato de banho, e depois me enrolei na minha toalha manchada. Primeiro sequei os braços, depois o tronco e pernas, por último foi o cabelo. Com a toalha enrolada na cintura firmemente e sem olhar para ele eu tirei a minha sunga preta rajada com listras brancas e vesti a minha cueca boxer azul-marinho.
— Eu posso te ajudar, Neve – Por que ele simplesmente não calava a boca? Será que ele não estava percebendo que eu não queria falar com ele? Perguntas como essa inundaram a minha mente segundos depois de ter escutado sua voz, foi só depois de algum tempo que eu fui perceber o que ele tinha dito, corei. — Não precisa ficar envergonhado. Eu também faço isso, sei como é difícil.
E foi quando eu olhei para ele, olhos semicerrados de confusão e boca crispada, e desejei não ter olhado. Seus imensos olhos castanhos fizeram dos meus prisioneiros, me fazendo ver o que não queria. Os olhos de uma criança brincalhona, em um acesso de raiva, em dor, se apaixonado, tudo isso em alguns segundos. Virei a cabeça, mas a sua imagem de antes e a de agora se fundiram em minha mente, assim como sua voz e seus gestos, tudo se transformou em uma grande cacofonia em minha mente, montando uma bela imagem dele.
— Vestir uma cueca não é uma tarefa que é considerada difícil – Falei, enquanto remexia em minha mochila, buscando algo que eu não tinha. Só não queria ter que olhar novamente para ele – Eu sei fazer isso sozinho.
— Todo mundo sabe, Neve – fechei os olhos, a imagem dele explodiu nas minhas pálpebras. Um garotinho magrela, mortalmente pálido, e afoito por novas aventuras seguia o seu líder: um garoto gordinho, cheio de sardas pelo corpo, com dois dentes faltando na frente e que tinha que levantar o short a cada dois passos, pois ele vivia caindo – Mas enfim, não estava falando sobre vestir cuecas.
— Então era sobre o que? — Perguntei, ainda de olhos fechados.
— A navalha que causou esse corte em sua perna – A imagem mudou. O garoto pálido, magro e curioso tinha mudado, agora ele estava mais alto, com uma estrutura muscular melhor – mesmo sendo pequeno – só a curiosidade estava reduzida, bastante reduzida. O gordinho, sardento, banguela e calção folgado, agora era um homem cheio de músculos volumosos e aredondados, as sardas ainda estavam lá, a “bangueliçe” já não existe mais, no seu lugar um belo sorriso foi colocado, mas os calções ainda teimavam em cair – Sei como é tentar se depilar sem ajuda, e vai por mim, esse corte não é nada comparado com os que eu já consegui.
— E o que você pensa que quer fazer? — Levantei uma sobrancelha o desafiando a falar.
— Bom, estava pensando se, tipo, só se você quiser é claro! Mas, eu, poderia te ajudar – E coçou a cabeça, fazendo biquinho e o entortando para o lado direito. Quando criança ele conseguia disfarçar mais o embaraço, mas eu acho que se ele tentasse jogar terra em mim, ou tentar colocar o dedo salivado em meu ouvido, eu, com toda a certeza iria chamá-lo de louco. — Se quiser, é claro!
— Ah, não – Respondi, sentindo meu rosto começar a esquentar. Só de imaginar Lucas com uma navalha na mão, tocando em minha pele, me dava calafrios – Eu, quer dizer, o Anderson vai me ajudar com esse assunto. Mas valeu pela consideração.
— Sem problema.
E vesti minha roupa sem mais conversas, eu percebia que, as vezes, ele tentava falar algo comigo, mas, no último instante, repensava e ficava calado. Senti-me meio envergonhado em ter que me vestir tão próximo a ele, mas se eu fosse para um dos banheiros privativos ia ficar claro que eu não queria está perto dele, e eu não é mal-educado a esse ponto. Segurava bem a toalha que cingia a minha cintura, vesti minha cueca depois de ter tirado a minha sunga molhada, coloquei uma camisa vermelha lisa e tirei a toalha da cintura, ele já tinha me visto de sunga não teria problema algum ele me olhar apenas de cueca, por último coloquei o meu calção de tecido. Passei os dedos em meus fios molhados e os joguei para trás, o cloro deixava o meu cabelo tão ressecado que eu tinha receio de passar a minha mão na minha cabeça. Dobrei a minha toalha, coloquei minha sunga molhada e a coloquei na toalha e dei mais uma dobra, depois as coloquei dentro da minha mochila. Passei a alça da mochila em meu ombro e olhei para ele, que me olhava também.
— Então... Tchau! — Levantei a mão alguns centímetros para cima e dei um sorrisinho fraco na sua direção – Até amanhã.
E me afastei. Não poderia andar muito rápido por causa do piso molhado do banheiro, então, com a ponta dos pés eu buscava apoio na cerâmica escorregadia. Os meus fios de cabelos negros, ainda úmidos, caiam sobre os meus olhos fazendo com que eu tivesse que tirá-los de lá a cada três passadas cuidadosas. Na saída do banheiro uma repentina rajada de vento trouxe uma pequena quantidade de areia que entrou em meus olhos, fazendo com que eles ficassem ainda mais irritados, e entrou em minha boca, deixando-a com um gosto terroso. Tossi e cocei meus olhos, pisquei algumas vezes para que aquela sensação desagradável desaparecesse; voltei a andar. O clube onde eu nadava era bastante grande, a área da piscina era impressionantemente grande, sendo que ao lado da piscina ficavam algumas cadeiras reclináveis bastante confortáveis, eu não podia usá-las pelo motivo de eu não ser sócio do clube, eu apenas pagava as aulas de natação e, somente, podia usar a piscina e o banheiro. Como o meu treino aquático já tinha acabado há mais de uma hora, eu andava rápido, nunca tinha feito aquilo, de sair tarde do curso. Mas passei tanto tempo trancado naquele cubículo sanitário, com medo que alguém me visse, que tinha perdido totalmente a noção do tempo. Mateus deve estar pirando, nunca tinha chegado tarde, mas tudo tem sua primeira vez, então, essa era a minha primeira. Escutei passadas apressadas vindo atrás de mim, e mesmo sem querer, eu sabia que era Lucas que estava se aproximando.
Era quase como se ele tivesse um campo de força próprio, me puxando para o centro, sempre para o centro. Era sempre assim quando nós eramos crianças; eu quase nunca desgrudava dele, nas raras vezes que ficamos separados aumentamos significantemente a conta de telefone dos nossos pais. Mas ai tudo deu errado, eu corri atrás dele durante meses, tentando, em vão, recuperar o meu melhor amigo. Ele se fechou pra mim, não me procurava mais, o eu e ele de antes agora era ele e outras pessoas. Eu fui excluído da vida dele e, com o tempo, eu o exclui da minha. Só que nunca deu certo, para começo de conversa, nós moramos no mesmo prédio, então ficava meio que difícil evitá-lo. Eu não conseguia, sempre eu sentia uma vontade inumana de falar com ele, mas sempre que ele me via, virava o rosto na direção oposta. Então eu reprimi todo e qualquer sentimento que eu pudesse ter por ele, agora ele é apenas uma pessoa qualquer.
Ele parou do meu lado, ainda um pouco ofegante e com o seu famoso sorriso brincalhão no rosto. Meu coração começou a saltitar incessantemente no meu peito, senti minhas faces esquentarem, desviei o olhar. Mesmo sem olhar para ele dava para perceber que a cada duas passadas ele tinha que levantar o seu calção e isso fez com que um sorriso surgisse no meu rosto. Era assim desde criança, ele sempre foi uns dez centímetros mais alto que eu, ele era rechonchudo onde eu era magro, o calção dele vivia caindo, e, ainda cai. Sem saber bem o que estava fazendo, as palavras escaparam de minha boca, quando percebi o que tinha acontecido, era tarde demais ele tinha ouvido.
— Por que você não compra calções do seu tamanho? Ou, sei lá... coloca um cinto? -
Ele parou, segurou no meu braço e me fez encará-lo. O calor cálido que emanava de seus dedos para minha pele fez com que meus pelos se eriçarem e meu estômago se contorcer de uma maneira nada comum pra mim. Seu cabelo ainda estava molhado, assim como o seu peito, que algumas partes estavam grudadas na pele. Engoli com bastante dificuldade, quando vi que ele estava bastante próximo de mim, próximo o bastante para eu senti o seu hálito quente e cheirando a chiclete de morango. Uma gota transparente de água desprendeu-se de seu cabelo, traçou uma linha pela testa dele, depois emoldurou as bochechas proeminentes dele e se perdeu dentro da boca, capturada pela língua quando fez contato com o lábio superior. Um suspiro trêmulo escapou da minha boca e ele percebeu.
— Não gosto muito de usar cinto – Respondeu, o seu hálito, novamente, fazendo cócegas no meu rosto. Minha respiração ficou presa na garganta, engoli seco mais uma vez – E eu acho que você sabe disso.
— Não, não me lembro – Respondi, com a outra mão eu, gentilmente, tirei seus dedos do meu outro braços, aquela área estava formigando. Claro que eu me lembrava disso, ter o calção caindo era uma marca registrada dele, além do mais, eu me lembrava de tudo que ele tinha me falado. Olhei para ele – Se algum dia você me contou isso, eu devo ter esquecido.
— Alex, por favor – Deu para ouvir a suplicar em sua voz – Vamos, por favor, ser como eramos antigamente, eu, eu quero retomar o que tínhamos...
— Por que agora, Lucas? — Me afastei, vários passos para trás, levantei as mãos quase como para me defender de suas palavras. Ele também me encarava, sempre querendo fazer dos meus olhos prisioneiros dos seus, era assim que ele convencia a fazer qualquer coisa quando eramos mais novos, mas só que eu não prestava atenção nisso, só queria me divertir, me divertir com ele. — Por que hoje? Justo no dia que me atraso para ir buscar meu sobrinho? Hoje você quer consertar uma amizade quebrada? Bom, sinto dizer, mas nem fodendo eu vou ficar escutando você gaguejar até encontrar uma desculpa para me contar.
— Neve, por favor, não fala assim – Ele deu alguns passos para frente, e eu dei vários passos para trás. O calção que ele estava vestindo caiu até os joelhos, revelando uma cueca branca bem volumosa e ainda molhada, já que o seu pênis estava completamente visível sob o tecido quase transparente. Olhei para cima pedindo que eu não tivesse corado. — Não faz assim, poxa! Eu resolvi falar hoje por que eu quis! Mas eu podia, perfeitamente, falar com você amanhã, se assim desejar.
— Ótimo – Me virei e sai andando na direção da saída. Mas nem dei muitos passos quando senti sua presença marcante do meu lado. Andamos juntos, em completo silencio, por quase quatro quarteirões. Quando avistei o prédio onde morávamos uma infinidade de lembranças invadiram minha mente de maneira bastante agressiva. E todas as lembranças era com ele, era com Lucas. E sem pensar, mais uma vez, eu comecei a falar o que estava pensando – Não sei por que eles tiraram o escorregador da área de lazer, gostava daquele brinquedo.
— Claro que gostava – Vi a sugestão de um sorriso surgir em seu rosto. Ele também olhou para o espaço em que antes ficava um impressionante escorregador feito de metal e plástico deslizável. A estrutura em si era bastante exuberante, um emaranhado de metal polido fazia suporte a uma tenda plástica, com mais ou menos dez metros de largura e uns cinco metros acima do solo. Uma casinha de brinquedo para minipessoas, que no caso era Lucas, eu e as outras crianças do nosso prédio – Aquele era o único brinquedo que você não saia machucado.
Não falei nada, continuei andando. É claro que ele estava brincando, pois aquele era o brinquedo onde eu mais eu me acidentei. Como que um sonho a lembrança de nós dois no topo do brinquedo, gritando a pleno pulmões que eramos donos do mundo, apareceu na frente dos meus olhos, quase como se o escorregador ainda estivesse ali e que nós dois não passássemos de dois pirralhos querendo se divertir. Mas não era verdade, eu estava com dezessete anos e ele com vinte e um, mesmo com tanto tempo sem que trocássemos uma palavra sequer, eu, em segredo, contei todos os seus aniversários. Passei na área do estacionamento do meu prédio, já que o condômino tinha cerca de dez prédios, o que eu morava era o último, assim como Lucas. Ele ainda caminhava do meu lado, as vezes ele esbarava em mim, mas não falava nada e eu seguia o seu exemplo. Ao longe eu avistei Mateus, o meu sobrinho de seis anos, e ele também me viu. Soltou um grito estridente que era similar ao meu nome, desvencilhou-se da sua babá e veio correndo em minha direção. Abaixei-me, apoiei um joelho no asfalto e abri os braços. Seu pequeno corpo se chocou contra o meu, ele enterrou seu rosto no meu pescoço e abraçou forte o meu pescoço.
— Por que demorou? — Sua voz chorosa e infantil chegou até meus ouvidos. Dei um beijo no topo de sua cabeça – Pensei que ninguém viria me buscar hoje. Não me deixa mais sozinho, tá bom?
— Teteu, eu não te deixei sozinho, a Amanda estava com você – Respondi, e com um impulso, me levantei do chão. — Mas prometo que não irei mais me atrasar tanto assim.
— É bom mesmo – Falou, e me encarou. Mateus era uma versão minha com seis anos, e eu era uma versão de dezessete anos do meu irmão mais velho, pai do Mateus. — Amanda é um saco! Ela nem gosta de brincar comigo, você acredita que hoje ela não quis brincar de xadrez comigo e me mandou assistir TV? — Ele aproximou sua boca próximo a meu ouvido, sussurrando disse: - Será que ela ficaria triste se caso trocássemos de babá?
— Sim, eu ficaria muito chateada – Respondeu a melhor pessoa que existe no planeta, a minha melhor amiga Amanda. Ela disse aquilo, mas um imenso sorriso estava em seu rosto, ela amava Mateus tanto quanto eu. Ele era apenas um garotinho de seis anos que pensava, falava e agia como um velho de sessenta. — E não foi isso que aconteceu, Alex! Eu joguei um monte de partidas de xadrez com ele, mas depois da minha vigésima sétima derrota eu cansei.
Eu sorri junto com Amanda, mas ela parrou de sorrir quando olhou para um ponta atrás de mim, mais precisamente, uma pessoa atrás de mim.
— Oi, Lucas – Ela deu um pequeno aceno da direção dele.
— Eaí, Amanda – Respondeu.
— Neve eu estou com fome – Quando escutei o meu apelido sendo proferido pelo meu sobrinho um estranho tremor reverberou no meu corpo. As únicas pessoas que me chamavam assim eram meu irmão, Mateus, Amanda e... Lucas – Amanda vai me deixar gordo com todo aquela comida congelada, Eca!
— Agora você reclama?! — Ela fingiu indignação. Escutei uma risada rouca e baixa, vindo de trás e segurei o impulso de querer rir também. — Mas comeu toda a lasanha de micro-ondas.
— Aquilo foi um experimento! – Protestou o meu sobrinho.
— Certo, cientista, vamos subir? — Cutuquei a barriga magra dele. — Eu também estou com fome.
— Claro, vamos! — Respondeu – Tchau, Amanda!
Quando eu coloquei o pé no saguão de entrada do meu prédio, a presença dele, do Lucas, ficou mais forte. Pois foi ali, naquele lugar, sob a luz da lua, durante um apagão que nós demos o nosso primeiro beijo de muitos anos. Eu com nove anos e ele com treze, o beijo do primeiro amor nunca esquecemos. Parado ali eu descobri que essa frase era verdadeira, não tinha quem fizesse eu me esquecer daquele beijo, mesmo eu tendo beijado outras pessoas, mas eu nunca esqueci o dele, porque eu nunca deixei de amá-lo.
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